quinta-feira, 1 de maio de 2008

Pedaço de carne

Domingo, a família toda está reunida à mesa porque eu vou morrer. Meu coração está tão saudável quanto um saco de lixo orgânico. Só de sacanagem eu pedi pra que minha mulher fizesse peru, a parte mais gordurosa eu pego pra mim.

- Seu Aroldo, quanto tempo que o senhor não vê sua família assim, reunida?

Quem perguntou foi minha nora, que eu não vejo a muito tempo, mais ou menos uns dois dias. A peste, mulher de meu filho mais novo, vive aqui dentro de casa, ela e seu filho recém nascido, que só não chora mais alto porque sua boca é pequena.

- Faz muito tempo, Amélia, muito tempo...

Amélia... É muita ironia num nome só.
Meu filho mais velho chega de carro, ele e suas malditas tecnologias, um computador portátil, uma babá eletrônica pra sua filha e um monte de videogames pro filho mais velho, que é gordo como uma porca.

- Pai! Eu soube que estava doente e vim o mais rápido que pude!
- Que bom meu filho, que bom...

Ele me abraça com seu terno que ainda tem cheiro de shopping, o verme não veio o mais rápido que pôde, veio depois de dar uma passada no centro comercial pra satisfazer as futilidades da puta com que se casou.

É noite, todos já foram embora, eu e minha mulher estamos deitados na cama, como fazemos todas as noites a cinqüenta anos, não fazemos nada de interessante. Conversamos sobre coisas fúteis: novela, futebol, política e sobre a vida fútil de nossos filhos e filhas.
Mas como a situação hoje é diferente, conversamos sobre minha morte.

- Aroldo, eu vi os pedaços de carne que você comeu hoje no almoço.
- E o que tem?
- Tinham gordura demais, meu amor.
- Eu sei.
- E ainda tens a cara-de-pau de afirmar?
- Sim.
- Quer morrer?
- Isso faz diferença? Eu vou morrer de qualquer jeito mulher, minhas veias mais parecem canos de processadores de lixo dos açougues mais sujos da cidade.
- E quanto a mim? E quanto a nossa família?
- Eu nunca amei vocês, e vocês sabem muito bem disso.

Eu me viro, fecho os olhos e durmo, durante o sono, tenho um ataque do coração e morro. Sempre gostei de finais surpreendentes.

(Por: C.O.)

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