sábado, 24 de janeiro de 2009

10 cadeiras

Um círculo de 10 cadeiras.
- Meu nome é Davi.
Todos respondem em coro: "Olááá Davi!".
- Bem, eu sou alcoólatra há mais ou menos dois anos e meio. Mas graças a este grupo de alcoólicos anônimos eu estou sem beber há três semanas.
- Isso é ótimo, Davi!
- Obrigado pessoal, não sei o que seria da minha vida sem vocês, obrigado mesmo!
Davi se senta, todos o aplaudem e a mulher que senta em uma das cadeiras que formam o círculo no salão se levanta.
- Muito bem gente, mais alguém gostaria de dar um testemunho?
Eu me levanto.
- Oi galera, meu nome não é relevante, esse é meu primeiro dia aqui.
O mesmo coro de antes: "Olááá Meu Nome Não É Relevante!".
- Pois bem, vim aqui porque não sou alcoólatra, não tenho problema algum e não quero me curar de nada.Neste momento vocês devem estar achando que estou vivendo uma fase de negação, pois eu nego essa afirmação e digo que não estou vivendo uma fase de negação, por mais contraditório que isso possa parecer.
- Muito bem, sabichão, o que está fazendo aqui então? - Pergunta um dos membros do A.A.
- Eu estou aqui porque acredito numa sociedade livre.
- Como assim?!
- Mentira, só achei que seria uma maneira legal de começar a responder o que você respondeu... Pois bem, eu estou aqui porque estou afim de tomar um trago.
Tiro uma garrafa de Contini da mochila e começo a beber no gargalo. A mediadora da reunião se levanta da cadeira e começa a gritar.
- O que o senhor pensa que está fazendo?! Por favor, se retire ou vou chamar a polícia!
- Por favor senhora, sente o rabo na cadeira ou terei que fazer isso por você.
Ela se senta e se cala. Eu termino minha garrafa.
- Agora, com licença.
Eu saio cambaleando do clube e começo a vomitar na calçada. Vomito tanto que além do meu almoço eu posso ver sangue, almoço de ontem, coisas que se parecem com algodão e muito líquido ácido.
A mediadora se altera mais uma vez.
- Esse homem é um perturbado mental! Vou ligar pra polícia!
Eu corro pra dentro do clube novamente, ainda limpando o vômito da boca e me lanço pra cima da mulher.
- Você não vai tocar no telefone.
Começo a vomitar novamente, agora no meio do salão. Um dos bebuns se enoja com a cena e começa a vomitar também, um pouco do vômito dele respinga no rapaz ao lado dele, que começa a vomitar também. Uma poça enorme de vômito começa a se formar no centro do círculo. Não perco mais tempo tentando me limpar, minhas roupas já estão tomadas e precisarei jogá-las fora quando chegar na minha casa.
Um dos homens do círculo desmaia, o que estava sentado ao lado do desmaiado tenta reanimá-lo com uma pressão sobre o peito, com a pressão o desmaiado vomita, logo, o reanimador começa a vomitar também.
O cheiro pútrido toma todo o salão. Finalmente, eu consigo me ver são novamente, sento no chão e espero todos terminarem.
Alguns minutos depois, todos estão sentados em suas cadeiras e chocados com a cena que acabara de acontecer ali. Eu abro minha mochila e tiro mais nove garrafas de Contini vazias, com o auxílio de uma pá e um funil começo a encher as garrafas com o vômito da poça gigantesca que se formou no chão. Todos me observam sem nenhuma reação.
Quando termino, dou uma garrafa pra cada um.
- Vocês que receberam as garrafas, levem-nas para suas casas e guardem-nas em suas geladeiras.
Me viro para a mediadora do grupo.
- A senhorita pode fechar as portas desse lugar.

( Por: C.O. )

domingo, 4 de janeiro de 2009

Logo no meu telhado.

Sexta-feira à noite. Eu chego a casa cansado de um dia árduo de trabalho e não tenho nada para mim, nenhum filho esperando pra falar que tirou notas boas na escola, nenhum amigo me ligando pra ir tomar cerveja, nenhuma mulher me esperando pra me satisfazer a fome e depois me satisfazer a fome, se é que você me entende. Faz dois meses que eu me divorciei, estou morando aqui nesse apartamento alugado, ainda não desfiz minhas malas porque tenho uma falsa esperança de que ela vai me ligar pedindo pra voltar comigo, as esperanças são as últimas a morrer, até mesmo as falsas. A única coisa que me restou foi uma facada que o governo apelidou de “pensão”, uma frigideira e um gato chamado Arthur. Gato este que nunca está em casa quando eu chego, anda a noite inteira pela rua atrás de gatas pra trepar nos telhados alheios... O desgraçado tem a vida que eu queria ter. Troco de roupas, coloco o micro-ondas pra esquentar um miojo e ligo a tv pra assistir o jornal, durmo antes do miojo e do jornal.

Sábado de manhã. Eu acordo cedo para fazer exatamente nada, sento à mesa da cozinha e fico olhando o celular, esperando que ele toque e seja minha mulher me pedindo pra voltar, faço isso enquanto como o miojo da noite anterior, que me esperou a noite inteira fielmente dentro do micro-ondas, diferente do gato, que essa noite decidiu trepar logo no meu telhado, e não me deixou dormir direito. Agora ele está sentado no sofá que fica na minha frente, me encarando, como se fosse me bater a carteira e correr.

Sábado de noite. Eu ainda não tomei banho e provavelmente não vou tomar, sinceramente nem me importo mais com o meu cheiro, o gato se importa, não me abraça nem me lambe, como os gatos dos filmes fazem.

Domingo de manhã. Eu acordo com o celular tocando, meio sonolento eu atendo.


- Alô?

- Helquer? É a Inês, quero conversar com você...


Eu dou um salto da cama, minha mulher me ligou, está tudo chegando ao fim, verei meus filhos novamente, sentirei o gosto da boca dela e não precisarei mais morar num lugar onde minha única companheira é uma cama de solteiro.


- Oi Inês! Sim, sim! Vamos conversar!

- Helquer, eu quero que saiba que eu realmente gosto de você...

- Sim! Sim!

- ... Não posso mais viver do jeito que estou vivendo...

- Sim! Sim!

- ... A polícia me mostrou fotos de você rondando minha casa na semana passada, Helquer.

- O que?! É mentira!

- Eu sinceramente não posso viver aqui com as crianças, não enquanto você continuar sendo essa pessoa doentia que você é. Eu preciso de paz, eu preciso recomeçar, eu preciso encontrar alguém pra me apaixonar de verdade.

- Inês!

- Adeus, Helquer. Dê um beijo no Arthur por mim.


Domingo à noite. Este barulho, grito, choro, miado, sei lá o que é este barulho. Sei que está me irritando profundamente. Eu abro a porta do micro-ondas e quebro o maxilar de Arthur.

Agora vou poder dormir em paz.


(Por: C.O.)