sábado, 10 de maio de 2008

Não se espante, peço novamente

Mãe, escrevo essa carta às pressas porque a tinta de minha máquina está a se escassear e não pretendo recarregá-la. Até porque não viverei mais aqui.

Não se espante, vou te contar o que aconteceu comigo, mas te contarei pessoalmente.

Não se espante, peço novamente, sinto falta de cheiro de bosta de porco, de berro de galinha pela manhã e ainda por cima sinto falta do cheiro do teu almoço, mãe.

Sabe o que deixo aqui pra trás? Nada, minha mulher não é mais minha mulher, e junto a ela estão meus filhos que não são mais meus filhos. Sei que parece trágico, mas não é.

Mãe, tenho quarenta e sinto como se tivesse vinte. Minha vida vai começar agora, e quero que comece junta à senhora e o pai.

Não se espante, peço novamente, vá preparando aquela feijoada que a senhora sabe que eu gosto, e mostre pra vizinhança que eu estou voltando, tire suas roupas do varal como quem fosse viajar, não permita nem que Deus nos atrapalhe no nosso reencontro.

Diga pro pai que essa é só uma carta do banco, me deixe surpreender esse velho.

Diga pro compadre Tonho que eu ainda sei jogar futebol, ainda sei dar lençol.

Diga pro seu bezerro mais gordo aproveitar os últimos dias de vida, porque eu vou matá-lo e saborear a carne dele mergulhada em teu feijão.

Não se espante, peço novamente, não quero que te sintas desdenhada pelos anos que passei fora. Foram anos de aprendizado, e o que eu aprendi foi tudo aquilo que eu aprendi antes de desaprender.


(Por: C.O. )

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