domingo, 27 de abril de 2008

A valsa do vagão

Entrou, nada disse, tirou a presilha da sua sanfona e começou a tocar a sua valsa de beleza e melancolia. Quantas almas distraídas naquele vagão como a minha foram tomadas de espanto, e ouvindo a música ficaram em silêncio, um pouco mais felizes, um pouco mais modestas, perto da doce melodia que tomava o lugar.
Cada alma naquele vagão valsava ao som da sanfona. E um homem que sentia dor ficou com um ar tranqüilo, às vezes a dor dos outros é um analgésico pra nossa própria dor. Uma mulher que sentia saudades de um velho amor fechou os olhos e viu o seu querido num sonho acordado convidando-a pra valsar, tirando a sua tristeza, enchendo o lugar daquele doce aroma exalado pelos seres apaixonados, uma criancinha que chorava abriu um sorriso, e bateu palminha pra canção mais bela que seus ouvidinhos virgens já tinham ouvido, uma senhora sentiu-se moça e na sua idéia, que pra muitos seria louca, voltou ao salão de baile dos seus melhores anos e esqueceu-se das marcas no seu rosto e viu seu homem que havia partido há tanto, com um terno de gentilezas, curvando a sua cabeça para ela entrar nas suas doces memórias e bailar.
Vi de perto sua singela sanfona com uma tecla partida no início, seu pequeno instrumento de criar esperanças, amenizar dores, embalar amores. Ah! Meu anônimo ídolo! Você é como todos os artistas, cego, e não pode ver o bem que sua arte faz às almas em volta. Acabou de tocar sua canção e não esperava palmas, flores ou nenhuma grande manifestação de glória.
Recolocou a presilha na sua sanfona, todos nós voltamos a ouvir a desconexa percussão da estrada de ferro, e o maior de todos os artistas que já vi em minha vida, segurou sua bengala virou a palma de sua mão abençoada para o céu e seguiu para o próximo vagão, abençoando mais uma vez a todos que quando passavam tentavam recompensar o bem que lhes fizera e mais uma vez era nobre - nada pedia - e mais uma vez dava a sua benção e seguia sua valsa no escuro.
Muito obrigado, e se puder toca mais uma música pra gente sonhar.
(por: A. C.)

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