domingo, 27 de abril de 2008

TRINTA ANOS

Aquele rapaz já está a duas horas mastigando aquele chiclete. Não tem mais açúcar, não tem mais gosto de menta. Só é mais um pedaço de indústria dançando e remoendo-se por entre os dentes amarelos dele.
Ele está me encarando, se eu não fosse tão conservadora, eu juro que ia ali e o agarrava, mas como eu sou, eu agarro é a minha bolsa e estalo os dedos como se não tivesse sessenta anos. Sou velha demais pra vir ao hospital sozinha, devia ter trazido meu neto comigo. Merda, o que estou dizendo, meu neto está na casa da namorada dele, essa hora eles devem estar trepando no sofá dos pais dela, ao mesmo tempo que estão atentos ao suor um do outro, estão atentos à maçaneta da porta da sala. Eu sei porque eu já tive dezessete e sei do prazer angustiante de trepar escondida.
Hoje eu tenho sessenta e estou sentada numa sala de espera de um hospital, a minha frente tem um rapaz que mastiga o mesmo chiclete a horas e também me encara a horas. Acho que eu estaria mais tranqüila se ele não fosse tão bonito. Ele se levantou, meu coração dispara e eu me sinto a quarenta e cinco anos atrás no baile de formatura do colegial, quando o menino que eu amava anonimamente se levantou e pegou na mão de minha melhor amiga... Por que diabos eu não o agarrei antes?Agora é tarde pra meditar sobre isso, o guri que mastiga o chiclete está mais próximo, agora eu tenho certeza que é a mim que ele quer falar. Eu já não disfarço mais meu desespero e o encaro nos olhos, como se soubesse o que vem a seguir, sem sombras de dúvida é um marginal que vai me levar os cartões de crédito.

- O nome da senhora é Odete?

Meu coração pára por um segundo e minhas pernas tremem como se fossem as paredes de um motel barato.

- Sim...

Eu gaguejo. Ele começa a chorar.

- Meu pai, dona Odete, se chamava Arthur.
- Desculpe meu jovem, mas eu não conheci nenhum Arthur, e por quê está chorando?
- A senhora me diz que não conheceu nenhum Arthur? Pois saiba que esse homem que a senhora nunca conheceu, procurou pela senhora por trinta anos da vida dele, porque te devia uma dança.

As paredes do motel barato já haviam desabado. Arthur, a vinte e cinco anos atrás se levantou e pegou nas mãos de minha melhor amiga.

- Sim meu jovem, eu me lembro de Arthur, onde ele está?
- Morto.

Os bombeiros já haviam chegado pra resgatar os sobreviventes no meio dos escombros do motel barato.

Ah, se eu o tivesse agarrado naquela noite, ele também me queria.
Eu me levanto, agora eu já sei o porquê daquele jovem ser tão bonito. Caminho para o lado de fora do hospital, pego o celular e ligo pro meu neto. Ele atende com a voz ofegante.
- O que foi vó?! Eu tô ocupado! - Eu sei, só quero dar-te um conselho: trepe, beije, chupe e ame bastante essa menina no sofá dos pais dela, porque essa putinha hoje, pode te tirar trinta anos de vida.

(por: C. O.)

Nenhum comentário: